sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Saturno

Saturno, anunciava em letras alaranjadas o painel do ônibus que cruzava o tenso leito fóssil da avenida, já regado pela tênue cortina de água que tencionava molhar mais que o sol ardente do meio-dia. Era meia-noite, porém. Nada mais se movimentava, e, à frente, só uma praça. A praça, envolta na neblina, era apenas cortina para um cansado amanhecer, envolto no pálido manto tóxico, que se extendia a frente do sol tal como o mar o faria em uma praia deserta.

Bela praia deserta, alias. Não me recordo a quanto tempo estive ali. Trajado de uma surrada e encardida calça, acompanhada de uma camiseta puída, acompanhei, junto aos galhos da macieira, uma leve decadência, a decadência que leva as pedras da margem do rio mais longe do que se possa ver.

Na outra ponta desse gelado lugar, dizia Curupira, estar uma flôr. "Flor em pleno gelo?". Tudo depende de sua imaginação. E, enfim, era uma estrada, cortando uma longa fila de árvores altas. Quis permanecer, mas a alma volátil e imprecisa não queria. Queria estar ali, respirar aquilo, pisar fundo no asfalto sem uso. Rumar para onde quer que fosse. A pé, daqui ao Mandaqui. Ela, com seu magro dorso me trouxe a luz, naquela fria noite.

Ah! Que adianta... Viver congelado pela fria luz mortiça da noite. Então, abraçamo-nos. A luz e eu.

Saturno bate a porta, é uma placa. A placa é metálica, fria, de um vivo, mas calejado verde castigado pelos elementos que regaram a vida, outrora. Como uma efígie, termino ali. Trajado nas calejadas roupas, rasgadas nas pedras por cujos cumes escalei.

Esfolei-me, sempre só, ou com ela. A luz da noite, que não é luz da noite, é como uma força. Força oposta, fria e calculista. Tudo falha. A areia se desmancha em franco colapso. Pergunto-me se vale a pena. Pergunto-me porque escrevo. Talvez tudo valha a pena, se a alma não for pequena.

Mas que importa ter grande alma, se tão importante é destruir sua casa para limpar o pó? Mudança não é para ratos e duendes, é apenas fruto da improbidade cognitiva de uma raça que se fez decadente.

Quero a flôr, mas para isso, preciso ir contra a mudança constante que margeia e aproxima as paredes em direção à ratoeira.

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