Uma breve investigação acerca do problema entre estética e liberdade nos dias de hoje, considerando-se como cenário o espaço público.
Um grande problema parece surgir a mim, como membro de uma sociedade nos século XXI: como conciliar valores estéticos com uma liberdade nos moldes defendidos por meus contemporâneos?
Em primeiro lugar, é necessário ressaltar a importância e origem dos valores estéticos. Nesses tempos, tal conjunto recebe o nome de “padrão de beleza” -- limitar-me-ei aqui a esse sentido -- e é tido como algo a ser combatido. Entretanto, o esforço é vão, uma vez que os seres de determinada época buscam o que lhes parece mais atraente com base na experiência. O simples combate ao “padrão de beleza” significaria negar de modo hipócrita a rejeição ou aprovação de um modo que inegavelmente existe no ser humano.
Dito isso, em segundo lugar ainda que não seja plausível almejar um combate total dos padrões de beleza, seria então mais complicado ainda supor que, além de ser possível tal combate, é possível “desconstruir” -- para usar o termo corrente -- totalmente um padrão vigente para algo totalmente diferente em um curto espaço de tempo.
Por fim, a estética continua dando as cartas, mesmo que turvada entre as chapas de vidro fume da modernidade líquida. Ela pode estar um pouco distorcida, fragmentada, no entanto não deixou de existir no imaginário humano porque cumpre uma importante função: reconhecer o belo, reconhecer seu papel no belo.
Sendo assim, a liberdade nos moldes atuais colabora arduamente para a fragmentação da estética (divide et impera). Em suas linhas, interpreta-se que todo o ser humano pode criar e vestir-se da forma como quiser. Estranhamente, ao passo de que a liberdade individual parece aumentar, a liberdade de expressão sofre algumas economias, em nome da “não-agressão” e da reparação étnica.
Ou seja, há limites ideários para a liberdade, porém não estéticos. Contudo, se esquece de que o ser humano continuará julgando esteticamente, mesmo em seu mais alto grau de razão. O resultado será uma porção de indivíduos confusos, desunidos e fragmentados porque dependem de identidades estéticas de grupo. Tribos como se rotula hoje, em certo nível; ou classes, em um nível superior.
A própria existência das tribos, porém, prova a natureza indivisível do átomo representado pela estética: condizentemente com a cultura e finécia de determinada unidade cultural será o gosto e a procura pelo simples e belo. A procura continuará existindo, enfim.
Chega-se então ao primeiro conflito com entre liberdade tal como é hoje e estética: se uma civilização opta convergentemente para o terno e a gravata como roupagem elegante, os promotores de tal liberdade defenderiam haver nisso uma negação da liberdade de expressão e individual, ou, em outros discursos, um certo “preconceito”.
Os limites da liberdade são, e sempre foram, algo muito difícil de se demarcar. Porém, a nível empírico, em uma sociedade tradicionalmente ocidental existem costumes que nos parecem detestáveis, porém totalmente aceitos se ocorridos em comum acordo entre indivíduos fora de locais públicos. Novamente: negar isso sob o pretexto de haver um “preconceito arraigado e institucional” implicaria negar, também, a natureza humana – o ser humano julga, sempre julgará.
Desse modo, a tal liberdade parece favorecer mais as minorias que lutam pelo reconhecimento: proíbem que se tenha pré-conceitos delas e fazem permitir-se que andem da forma como entendem, dizendo da maioria o que na mente lhes vier. Mas, como quaisquer humanos, também julgam e continuarão julgando, enquanto aos outros indivíduos tentam negar esse direito.
A liberdade nos moldes atuais é, então, um simulacro do original sentido de seu vocábulo, já que pode existir de modo negativo. Além disso, se os promotores de tal liberdade ignoram o julgo do indivíduo, por tabela também ignoram que o julgo apurado de um indivíduo culto possa trazer-nos para mais próximo do belo, para uma noção mais refinada, mais próxima da perfeição – agem como inimigos do esclarecimento e da razão.
Originalmente, a liberdade não deveria constituir nenhum obstáculo, pois, sendo uma concessão de uma sociedade (i.e. commonwealth, como Locke coloca), implica compromissos entre o indivíduo e a maioria, dentre os quais um deles é respeitar, em ambiente público, o limite do que pela maioria é considerado razoável. Respeitado o que é considerado harmonioso pela sociedade, a estética pode fluir livremente.
As variações aparecerão com o tempo, a depender do refinamento intelectual e disposição de determinada sociedade em revisar seus procedimentos. Às minorias cabe acatar tal fato como princípio para o melhor funcionamento de uma sociedade conjunta e colaborar de modo intelectual para as mudanças de padrão estético, sendo que estas tendem a maior aceitação se feitas de modo gradual.
Enfim, a liberdade em si não agride a estética e a estética também não a agride. Conclui-se que o conflito se baseia na confusão criada pelas negações e “desconstruções” provocadas pela liberdade teoricamente irrestrita que hoje se exerce. Uma liberdade que funciona melhor a nível de grupos do que de sociedade apenas poderia dispensar à maioria a confusão e a perda de identidade cultural. O estudo da estética e da arte só tem a perder com isso.