quinta-feira, 2 de abril de 2015

Consolação acima

É verdade, o dia estava muito quente. Havia um tapete de nuvens, pouco vento e um bafo incrível para os vinte e cinco graus da capital. Queimava como uns trinta. A dinâmica do ônibus cheio, aliada à boa vontade nula de São Pedro inclusive me fizeram aposentar os planos de usar meu largo paletó de veludo, nesse dia.

De pólo branca, numa tentativa de refletir os tensos raios solares e um velho jeans datado dos tempos de cursinho, fui ter com a galera do curso de Jogos Digitais. A física dos gestos é algo bastante interessante, nesse povo: muda as máscaras de teatro conforme o momento e é capaz de emplacar “Risos” por uma batata, ao passo que bóia em algumas tiradas de W. Allen.

Mas não fiz por menos, e fiz o máximo possível do humor batata, ainda que impossível sob a perspectiva do mal humorado. Tinha missão, naquelas terras. Ou missões. Uma delas era almoçar pastel, numa quarta, com futuros empreendedores de games, enquanto em minha unidade reinava o descanso de não me ver graças a uma janela de horário.

Desde que praticamente me livrei dos grilhões impostos pelo amor a Bianca, a jornada que venho trilhando baseia-se em tatear um pouco do que pode me oferecer esse mundo, seja um hot dog osasquense ou uma aula a respeito do fundo azul na indústria cinematográfica, procurando pêlo em ovo até em Indiana Jones.

O que não coube nos 35 mm me restou falar aqui. Eis as outras missões: viver a cidade, enfim. E em bando subo a consolação em animado papo; ofereço a chama de meu velho Zippo herdado a uma moça que conosco anda, e cujo cabelo ganhava uma leve vivacidade graças as brisas de ar quente desse dia.

Andar só no centro pede habilidades, nesses dias de desconstrução – as pessoas desconstruíram até a forma de andar na rua! Se só já se pede a esperteza de vazar os espaços vazios antes de encontrar de peito com o gordo vendedor de amendoim, junto a amigos e, também, uma moça, exigia-se um pouco mais da capacidade multitarefa dos miolos.

Jogo o cachimbo para um canto da boca, as palavras para o outro e aí o jeito é ver se dá equilíbrio. Uma senhora me colide com os ombros, peço desculpas e escuto o vazio, quase senti uma guerra civil. Lá na frente do grupo, disse a uns amigos, sobre as batatas e não batatas FFLCHianas e não sei até hoje sobre o quanto estão certos sobre o aroma da erva.

E segue-se o tétrico andar, rumo o santo pastel. “Quero dois carnes e uma coxinha com catupiry, com tempero de centro, monóxido a gosto”. Um compra a soda, outro um espaço e alguns confusões com cruzeiros depois, todos se riem das fortunas e desfortunas dos brilhantes tempos de faculdade.

Peço à mocinha dos cabelos coloridos um pouco da teoria que repousa sobre seus dedos de programadora, tentando trocar figuras sobre a lógica ou ilógica. Não sei se supero aos tratados e artigos científicos, é notável que vivo em uma realidade em que esses não poderiam operar. E a metafísica da urbe me dá imenso trabalho com seus mistérios encerrados no olhar de cada amigo ou transeunte desconhecido.

Spotteds, quadros anônimos, poemas incógnitos... Há muito por aí, dentre os prédios, ruas e árvores. Cada defeito do pavimento é um pedaço da história, espaço aonde juntam-se as cinzas do cigarro e do cachimbo. E onde se encerram as ondas sonoras da conversa.

Fora uma quarta-feira quente, com ventos tímidos, mas uma luz bonita, e os raios de sol graves anunciam o outono e inverno vindouros em que as conversas sobre os livros e softwares começam para viverem animadas sob o céu limpo, sol nostálgico e um vento frio das tardes de maio e junho.