Voltei ao problema / Por outro sistema / E tomei formicida / E tive a maior surpresa de minha vida / Descobrindo assim / Que o que andavam servindo / Aqui no botequim / Não era tatuzinho / Chá de briga / Era tatu mesmo / O fazedor de orse de formiga -- Paulo Vanzolini, in ”Samba do Suicídio”
Mais uma viagem ao bebedouro, mais uma caneca de água semi-quente. Rotina. Vou e volto, volto e vou. De A a B, de B a C e de C para A. Se reclamo da rotina, percebo que reclamar da rotina já é também rotina. Se a ela me apego, e, por um acaso, uso, noutro patamar, de outra ótica, vejo que entre o desapego e apego há apenas uma diferença temporal. No fim do ciclo, tudo se repete. Anaciclose.
Se para Políbio eram seis ciclos de governo da Pólis, são aqui múltiplos estados de consciência. E, curiosamente, em alguns me governo mais, ao passo de que noutros mais me deixo levar pela correnteza do rio. Mas se a história só se repete como farsa, mal é isto um círculo. Talvez seja mais como uma espiral, cujo lance superior se projeta como mimese no lance que agora se percorre. E tudo se afasta do ideal na medida em que se esvai a juventude.
Mas se tudo é parte duma espiral, “voltei ao problema”, como diria Paulo Vanzolini, “por outro sistema”. Tentei focar um pouco nos detalhes, olhar mais para as pessoas, me aprofundar um pouco na vida, só para percebê-la a cada “ampliação” tão parecida quanto a versão não ampliada. E, no fundo, ainda que por outro sistema, torno às mesmas velhas questões, tal qual o personagem da canção de Vanzolini, que ainda outra vez não conseguira suicidar-se.
Encontro-me apegado à rotina, contudo. E por isso escrevo, como há pouco disse. O implacável tempo só me faz mesmo escorregar por esta espiral sem dar-me o tempo para pensar. Ainda que durante o implacável dia quente tudo pareça lento e tranquilo, pela noite agoniante me afligem as memórias do que poderia ter sido. E se não fora, logo examino, é mera culpa minha.
Posso ainda mergulhar mais um pouco sem, realmente, encontrar qualquer fato inédito. Se bem me conheço, assim funciono há muitos anos. Logo, estes anos passarão e serão tão pouco quanto mera nostalgia. E pela tangente não de se escapar se há tanto presos estamos nesta gaiola existencialista à qual a querida filosofia continental há muito nos relegara.
Árida como as paixões nos dias de intenso calor tropical, cortou certeira a garganta da já moribunda metafísica. Ao homem subtraído de sua capacidade de projetar mundos, limitado a enxergá-lo pelos embaçados óculos da dita realidade, que grandes perspectivas podem se desvelar? Logo, reexamino, além de culpar a mim mesmo pela pestilenta tendência ao ócio, também hei de afirmar que neste paradigma, para colocar de forma kuhniana, pouco comigo tem a ver. Só o aceito e nele surfo como meus colegas de geração.