sábado, 29 de outubro de 2011

Três da madrugada

São três horas e cinqüenta minutos, madrugada afora. Escrevo, enquanto, em um desnorteado movimento afocal, cada um de meus olhos procura uma direção, cruzando-se em um vesguismo automático. Decidi pautar um pouco sobre qualquer solicitação natural, mas, visto que não tenho nada urgente a tratar, ponho-me a ponderar sobre a vida em todas as suas nuances hora sob o silêncio mudo das ventuinhas, hora sob suaves notas Bachianas sibilam sob forma de ondas sonoras, entretanto.

Um ar mortiço indica o quanto fora desgraçado na tarefa de alertar. Vejo que minha geração, assim como as outras, sobem às nuvens. Nuvens sólidas como água. Vapor. Jovens manchados de tinta, sem matiz, todos iguais. Nadam no infinito sem cores, sem esperança.

Os sonhos são fragmentados igualmente, ou pior. Triste. Em uma distante ilha, um flautista toca Mozart, em notas tão murchas, que de magnífica música, passa quase a um aviso de fim de mundo, que entende-se não pelo tocar, mas pela tentativa pífia. Ruínas. "Pois do pó viestes, e ao pó retornarás." Pó? Não importa o pó, nossas pegadas importam mais. Quem somos.

Tarde demais, se fora o último ônibus. Chovia forte, chuva de petróleo. Petróleo popular, que bem mal pagava seus sócios. A mancha preta da falência machava cada planta em volta. A pé, fugia de uma catástrofe, se arrastando como velho maltrapilho, ou um animal que se recusa a a largar uma manga cheia de vespas, um animal racional, dentre suas últimas ruínas.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Tudo em vão

Qualquer cidade saturada, qualquer foto estourada, qualquer excesso. Como brisa dissociada, corre a viajante mente por entre azuladas vidraças de edifícios comerciais, carros, residências. Nunca infalível. Sempre errante, mal trilhada.

Vez em vez aporta-se em um atracadouro lotado, ou estaciona onde não há vaga. Por vezes dá voltas ao entorno do quarteirão. Em outras, está fechado. Madrugada... Da consciência. Simples existência, em um humano mundo sem respsotas.

sábado, 1 de outubro de 2011

Crônica de um livro azul I

O sinal bate. Bate relativamente, sob o intenso ressoar de um ruído eletrônico. A primeira aula do dia, o primeiro livro do dia. Livro azul.

Sexta notável. Dia ensolarado de um começo de primavera. Dia comum, que se diz comum como qualquer brasileiro que se estende para o sol. Carros cortam as ruas de Pinheiros, mais rápido que qualquer pássaro desavisado.

Sento-me em uma distante carteira ao fundo da sala. Por que carteira? Simplesmente mesa! Disponho o livro e as fichas de modo a transcrever números de um para outro. Como qualquer jogada trivial de um jogo de dominó. Aquele, que os dois velhinhos jogam na praça, aquele mesmo.

O livro azul, gasto, não brilha e reflete a cansada e extenuada luz artificial. Quando muito, um raio de sol da primaveira que ousava trespassar os vidros da sala. Em silêncio pouco absoluto, todos tentam escrever o que um professor de espesso bigode explica preguiçosamente.

No livro, a cada página, se registrava algo, uma pequena anotação, dentre várias que resultam de uma longa aula de sistemas lineares. Pouco a pouco, o livro emprestado, se torna um caos em figuras demoníacas não mastigadas, hieróglifos e figuras triviais que não ousamos entender antes da prova.

Tudo ao redor de um livro azul, resoluto como a melancolia do céu limpo de primavera, como a monotonia da noite na praia deserta.