quinta-feira, 12 de abril de 2012

Forte chuva

É um final de verão. Tempo fechado, chuva forte e constante de um dia cujo o sol haveria de se por mais cedo. Não pelo horizonte, mas por intermédio de belas, mas perigosas, nuvens. O arrastado voar das nuvens cumulus nimbus dava o veredicto de um penoso dia.

Mas era só um reflexo. Já tinha acontecido. Por motivos simples, e por incompreensão mútua, uma deusa tornaria o dia um penúria... E quem sabe tornasse tudo penúria, até o final desses tempos? Não inútil obra do acaso, o aspecto bucólico da chuva se contrapõe com o aspecto calmante.

Como nós, os céus também choram e, talvez, sejam os únicos que conosco chorem, nesses tempos. Mas há de vir, com o seco nublado do inverno, a calma e a paciência que nos falta no pegajoso e repugnante verão tropical.

Mas a ausência das lágrimas não significa resolução e a batalha é, de qualquer forma difícil. Não basta seca-las. E elas não hão de parar naturalmente, se é essa vida tão cheia de permeios e esse mundo tão diferente de nossos sonhos.

Vivemos em mundos diferentes, digo à Deusa. Nosso universos por algum acaso se colidiram e tudo o que veio com ele ameaça ser o maior dos deleites, mas no caminho, promete os mais terríveis espinhos.

Por vezes, tudo se encaixa, por outras, nada faz sentido. Pela camada subjetiva, se esvaem as mais gritantes nuanças. E tudo porque nossos universos são de materiais diferentes, de riquezas diferentes.

E a Deusa está sob uma pilha do mais rico e intangível material. Cada vez mais distante na mente tudo está. Um arauto não há de anunciar o final, tudo parece derreter da pior forma possível, como se fosse sonho. Mas que sonho mais real, que estranho!

Provavelmente tudo foi um sonho e talvez seja a hora de acordar para um novo amanhecer. Sem chuva, sem sol, sem paredes, sem telhados e sem sentimentos. Um outro universo, outra dimensão, outra vida.

Mas antes, o declínio. Matando-nos lentamente, transformando cada sonho em decepção e cada espectativa a respeito da vida, mero exagero, mera frescura. Pois nada é para sempre, e há de ser esse o eterno ciclo.

E depois de tanto pensar, a chuva pára. E o último raio de sol do dia ainda consegue dar-nos uma esperança de jamais acordarmos. Quem dera....

domingo, 8 de abril de 2012

Relicário

Aos sinais particulares, in memoriam.


Façamos de nossas almas relicários, pois não tarda o mal sob peles de bem. E nada nesta terra será tão impiedoso quanto as forças do bem. Que esteja em nosso relicário, todas as tradições que nos estragam, pois hão de assegurar que vivamos para sempre. Comprimidas e sem conflitos, serão planas as relações humanas.

Guardemos em nossos relicários, os livros, os mais belos projetos e as catedrais góticas, pois há se impor a perfeição incômoda das quatro paredes. Que seja o relicário nossa capsula do tempo, nossos documentos.

Serão cruéis os pequenos descuidos e questão de saúde pública a fumaça do cachimbo. Escrevam suas memórias, encadernem-nas. Ter opinião é ter visão. E ter visão não é ser feliz.

Será o soma a droga sob a qual dormem nossas mágoas. Sob a áurea da bondade global, reside a obrigação do bem. Todos tem direito de serem felizes e obrigação de fazerem felizes. Se não, há o cidadão de reservar a lápide! Enterre-nos; pois, com nossos relicários.

Optamos por morrer com a felicidade entorpecente e cega do que polirmos as mais perigosas idéias de nossos relicários. Mas há muito eles não existem. Porque as relíquias reais não são nada, sequer idéia metafísica, que muito além do túmulo irá. Mas o que será relíquia dentre tanto carbono e ferro?

A cada dia que passa, se ausenta a humanidade. Peças quadradas adentram o tabuleiro. A estabilidade se aproxima, e o debate será apenas uma atividade de fachada. Os cafés serão energéticos, se ainda permitidos. Todos sabem o que todos querem e a liberdade de despontar há de ser severo crime.

Afinal, “ser você mesmo” será mais um estereótipo vazio e não haverá termo de diálogo que indique a saída, Por isso, meus caros, se vocês ainda tem seus relicários, abracem-no. Pode significar mágoa, desgraça e tempestade. Vale a pena? Tudo vale a pena, se a alma não é pequena! Que viva o magnífico gênero humano!

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Noite

Originalmente escrito em primeiro de março

O cair da noite vem como suspiro, junto com o suspiro. Há um futuro incerto a frente e uma tortuosa estrada permeada por flores, mas protegida por serpentes de nossas mentes. O desespero das carícias e a intermitência dos sentimentos frente ao incerto traçado do futuro, e às bravias trincheiras que seguem nessa inexplicável estrada do espaço-tempo.

As amizades vem, se vão, tal como essa noite, que me trouxe este cenário. Ela irá embora. Independente da linearidade. O tempo e o espaço mudam suas conexões. Fazem com que cada segundo tenha sua influência no futuro, mas não imediatamente. E, em um piscar de olhos, pulo da física a metafísica.

Sob a abstração do que nos é invisível, fora da linearidade da estrada temporal, mal conseguimos imaginar o que não se cronometra. Sempre é um ciclo, uma roda. Por que a memória consegue fugir a regra? Ah, curiosa a memória. Jamais a acharam. A memória está conectada a essa noite, a esse estado.

Por vezes, penso que captamos e transformamos em sinais elétricos o que nos é, de certa forma, transcendente. E nesse plano, as ligações se cruzam, os destinos eventualmente se confundem e... Bem, aqui estamos.

Cenário vazio. Mundo sem ninguém. Caminho na deserta plataforma de concreto. Sul da cidade, Grajaú. Mapeio sem me preocupar com o tempo, cada lampejo de minha memória, sobre este mesmo cenário. Os abraços, as partidas... Tudo tão nítido ao se colocar na linearidade, mas tão vago em nossa mente.

Os destinos se confundiram. E não estou mais sozinho. Mas ao mesmo tempo estou. Sob a angústia das instituições, e do meu respeito para qual as tradições, caio na cama, corpo reto, sem chorar. Cada lágrima faço secar. Mas não há água com sal que apague o fogo, cruel e sentimentalista. Inconcebível, mas existente.

A amizade cresce. Como qualquer coisa exposta a linearidade temporal. Não se encerra nessa noite... Vem a tona a essa noite. Noite pensativa, de um dia pensativo, mas que no final fora feliz.