segunda-feira, 30 de junho de 2014

Urbeum Organum



E naquela manhã, o céu se abria numa aura indescritível. O amanhecer de domingo cobria tudo e todos os cantos. Quase sem rumo, marchando calmamente conforme o Requiem de Mozart, ou grandiosamente conforme 1812 de Tchaikovsky, um indivíduo conseguiu notar o que jamais notaria enfiado em um boné com Sonic Youth nas orelhas e em missão à Santa Ifigênia: o centro antigo sorria com sua velha e surrada dentição, as árvores em contraste com as luminárias ainda acesas carregava o olhar por linhas que sem encerravam na fachada do Edifício Banespa. São João acima, entre restos e rastros, a urbe emerge aos olhos de quem começa a entender a vida.

Pois a vida é como a urbe, afinal. É preciso descobrir suas entranhas, suas saliências. Os relevos dos quais se descortina a vista infinita do mundo, de planalto a planalto. Ao fundo, o quadro encerra-se em duas maduras montanhas. Os prédios, rígidos, fincam firmes fundações na derme urbana, sob a qual o coração nuclear conduz tudo, todos. As árvores brotam como as sardas, as marcas de nascença. E ao fundo, o céu observa, calmo, brigadeiro, matreiro o vai-e-vém abaixo de seus olhos perdidos.

Se corri as ruas em busca de uma tal Vontade Capital, cansado, noite adentro, vi a urbe abraçar-me e encostar seu queixo em meu ombro, dizendo-me ao pé do ouvido sentimentos expressos sob buzinas de carros, motores a diesel e um rufar da solidão pós-semaforo em um dia tranquilo. Como mãe que não abandona seus filhos, fez-me erguer e caminhar, "vá, meu filho, busque e entenda meus sinais, que verá em mim a vida em sua mais completa tradução".

E, agora, que cruzo a Ipiranga com a Avenina São João, posso não entender nada da dura poesia concreta de tuas esquinas, mas da USP à República, já delineio os lábios com os quais não poderia dialogar e finalmente entendo que o físico a rir das Mõnadas Leibnizianas jamais poderia compreender a maior metáfora da vida em sua maior plenitude.


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