quinta-feira, 5 de junho de 2014

Sapatilha verde-água

Originalmente escrito em 2 de junho de 2013 (um ano atrás)

Uma mulher, de cabelos soltos e ligeiramente enrolados, brincos de penacho e leve batom vermelho, rumava por alguma calçada estragada da cidade, vestida por uma capa masculina relativamente grande para seu tamanho esbelto. Enfrentava as ruas com os lindos pés em uma sapatilha verde-água.

Seu nariz projetava-se proeminentemente na silhoeta desenhada no chão pela luz da iluminação pública. Era noite, esqueci-me de mencionar. Sua respiração calma derretia o coração de praticamente qualquer sujeito. Nada se podia dizer sobre a voz... Não estava falando. Apenas passava. Caminhando para longe.

De longe, um sujeito de pouca barba e borsalino observava o distanciamento da mulher, vestido apenas por uma camisa xadrez. Pouco via-se do sujeito, que conservava-se na penumbra. Apenas divisava-se um brilho longíncuo nas lentes dos óculos que utilizava. Uma fumaça branca erguia-se de seu rosto para o céu infinito.

Nesse instante a mulher já se distanciara bastante. E a cena se decompunha, como em um sonho. O céu tomava cores cada vez mais claras e um ônibus agora levantava a poeira outrora revolvida pelas sapatilhas verde-água.

Dentre o movimento, milhares de cabelos ao vento, batons, tons cintilantes e calmo. Quem seria aquela dama? Será que habitava a mesma terra dos homens? Quiçá metade habitasse, e outra não.

Sentado no muro, um rapaz de óculos tocava guitarra. Sei que eram notas, não sei que gênero, não sei que artista, não sei que música. Mas todos passavam direto. Se, porventura parassem, vidravam. Não pela técnica, não pela guitarra... Mas pelo sentimento que ali pairava.

Abaixo dele, estava ali, caído, um brinco de penacho e um botão. Um botão de sobretudo. A cinza e as folhas cobriam os dois objetos, por sua vez recobertos pelo som da música. Caía a noite e aqueles objetos continuavam ali. As penas de um animal, o plástico da indústria. Natureza e cidade se confundindo.

Naquela noite a cena ameaçava repetir-se. Porém via-se apenas uma figura de guitarra no colo, envolviva em uma capa. Novamente um borsalino e lentes. Uma fumaça acompanhada de notas músicais erguia-se timidamente ao lado do pequeno muro de pedras que separava o jardim da calçada.

A mulher não passara novamente ali. Talvez a mulher só existisse na mente, como deusa. Talvez fosse real, mas ficava para trás como quase tudo na vida, que não seja o cobrador e o motorista.


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