quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Além da ágora

Os passos sinistros de sacerdotes rubros ressoam como ritmado e constante rufar de um tambor. No número 43 da praça, diversas pessoas paravam para ouvir parcamente o que se rezava em voz baixa. Não havia sequer um desavisado que não deixasse sua marcha para observar o fenômeno.

Aquela praça não era mais a mesma. Há pouco, fora sacrificada uma cabra, e o sangue que escorria pelo chão constituia no tapete da cerimônia. A cabra, por certo, não fora o único animal morto e pairava no ar um clima de desgosto. A usual retórica que se ouvia frente a assembléia fazia-se ausente, e, na lacuna deixada pela não-reunião dos cidadãos, marchava ali um grotesco ritual popular.

A bem verdade é que todos fingiam saber o que acontecia, ou tinha uma certa certeza. Pouco sabiam o que tudo aquilo significava. Um sentimento lhes tomava a cabeça e cada vez mais marchavam rumo ao Palácio da Justiça, no final da rua. Olhos vermelhos embebidos da justiça das matas prometiam acelerar qualquer julgamento que se baseasse em qualquer folha da papel. Os cidadãos encontravam-se em um almoço. Quando perceberam, estavam cercados.

Um deles, Carvalis, levantou-se e dirigiu retórica frente aos olhos vermelhos. Viu nos olhos de cada um daqueles sacerdotes surgir o fogo. E, em alguns instantes, nada mais sobrava do que labaredas esverdeadas e alguns tijolos que, se muito, se assemelhavam a casas de boneca. Os cidadãos, do alto de suas espadas sem fio e da fraqueza dos homens de armas do palácio, entregaram os pontos, e para uma infinita expedição, para além de qualquer bojador.

A marcha continuou. E a cidade, prédio a prédio, ruía frente a força nova. Aquele ar novo, repleto da nova religião. Pouco sabe-se se grandes templos construiria, mas ainda é cedo para se dizer. Alguns cidadãos, relegados a mendigos matemáticos, ainda cuidavam de contabilizar cada tijolo perdido. E viam seus legados se perderem, frente a um rufar de tambores. O que haveria de tão hipnótico em similar rufar?