quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Além da ágora

Os passos sinistros de sacerdotes rubros ressoam como ritmado e constante rufar de um tambor. No número 43 da praça, diversas pessoas paravam para ouvir parcamente o que se rezava em voz baixa. Não havia sequer um desavisado que não deixasse sua marcha para observar o fenômeno.

Aquela praça não era mais a mesma. Há pouco, fora sacrificada uma cabra, e o sangue que escorria pelo chão constituia no tapete da cerimônia. A cabra, por certo, não fora o único animal morto e pairava no ar um clima de desgosto. A usual retórica que se ouvia frente a assembléia fazia-se ausente, e, na lacuna deixada pela não-reunião dos cidadãos, marchava ali um grotesco ritual popular.

A bem verdade é que todos fingiam saber o que acontecia, ou tinha uma certa certeza. Pouco sabiam o que tudo aquilo significava. Um sentimento lhes tomava a cabeça e cada vez mais marchavam rumo ao Palácio da Justiça, no final da rua. Olhos vermelhos embebidos da justiça das matas prometiam acelerar qualquer julgamento que se baseasse em qualquer folha da papel. Os cidadãos encontravam-se em um almoço. Quando perceberam, estavam cercados.

Um deles, Carvalis, levantou-se e dirigiu retórica frente aos olhos vermelhos. Viu nos olhos de cada um daqueles sacerdotes surgir o fogo. E, em alguns instantes, nada mais sobrava do que labaredas esverdeadas e alguns tijolos que, se muito, se assemelhavam a casas de boneca. Os cidadãos, do alto de suas espadas sem fio e da fraqueza dos homens de armas do palácio, entregaram os pontos, e para uma infinita expedição, para além de qualquer bojador.

A marcha continuou. E a cidade, prédio a prédio, ruía frente a força nova. Aquele ar novo, repleto da nova religião. Pouco sabe-se se grandes templos construiria, mas ainda é cedo para se dizer. Alguns cidadãos, relegados a mendigos matemáticos, ainda cuidavam de contabilizar cada tijolo perdido. E viam seus legados se perderem, frente a um rufar de tambores. O que haveria de tão hipnótico em similar rufar?

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Musas

Ninfas das árvores da estrada para o Olimpo. Que mais dá para dizer? Muito acertadamente hei de afirmar que praticamente nada, se excluirmos o fato de que a humanidade as faz não quebrarem a barreira da perfeição. Mas como deusas greco-romanas são belas em seus defeitos, lindas em seus traços. E diferentemente destas últimas, existem ao nosso lado, ainda que intangivelmente separadas pelos braços do que é, na maioria das vezes, qualquer arquétipo da velha laia.

Mas se as deusas tem seus defeitos, também os tem os deuses. Ou, ao menos, o que para elas são seus companheiros de Olimpo. A sabedoria divina difere da sabedoria humana. A sabedoria divina se enterra sob diversas atitudes que facilmente identificamos naquelas crianças que brincam no quintal. Em nosso solo, há de ser o homem o máximo possível magnânimo para que as chaves da eternidade consiga, e não há de usar poderes para batalhar seu caminho.

Hão de ser os neurônios a mais poderosa arma humana. Com inteligência e paciência, e sintonizado na frieza da musa, a perseverança há de guiar, fora da mira dos incautos deuses, pela trilha do sentimento forte. Coração que bate pela vitória, clama pela taça. Porque se criamos deuses, somos, na verdade, nós os deuses, e nossas as deusas, que conosco foram criadas, e um para o outro fomos feitos. É amor apenas a peça que faltava para que dentro do Olimpo estivéssemos.

domingo, 29 de julho de 2012

Bifurcação

Originalmente escrito em 8 de fevereiro

Um certo final se aproxima. Falta muito tempo, talvez, para muitos. Para mim, poucos, dado o fato de que se esvairá sem que se aproveite o máximo. Mas o que fazer se a força do acaso apresenta-se em forma de bifurcação? Duas estradas, mesmo destino. Gostos diferentes... Não sei.

Chove. Uma chuva de pesados sentimentos em cada um dos caminhos. Decisão impiedosa, determinante do futuro. Formas diferentes de se culminar na paulatina separação, deterioração, tempo afora, do que outrora trazia tanta satisfação astral. Não sei se fico, não sei se vou.

Na ácida chuva, fim de estrada reta, paro e penso, olho em diante e lembro de que nem sempre nos dotam de machados para abrir outra estrada. É ficar ali, até que o final se faça sentir, ou viver enquanto o presente lhe faz sorrir.

Mas, se afinal, o futuro de médio prazo há de apagar o presente tão brilhante, não causaria mais dores o final? E assim estaco, entre a dor do arrependimento ou do final. Nada parece adiantar em uma vida tão curta, em tempo tão curto. Todos, de relógio no pulso, as horas passam, o ano passa.

E tudo o que já não durava para sempre, passa a enjoar ou “tirar tempo” das pessoas. Tempo é dinheiro... E todos querem ganhar, sem saber que com dinheiro não se paga o preço da amizade.

Metaforizo porque deve haver quem brinde com uma taça de vinho tais relatos. Há; pois, de reconhecer a dor da indecisão, precedente de qualquer outra.

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Boa noite, leitores.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Nada mais por dizer

Tudo fora feito. As terminologias eram intermináveis, da biologia a história. Um meio globo de massa cinzenta, habitado por gente culta e varrido por frescos ventos. Equilibradas estações, regadas a flores a todo e qualquer momento. Por vezes, uma leve geada, que não chegava a cobrir a superfície do Cabo de Uma Boa Esperança, este existente apenas neste micromundo.

Parecia uma obra prima digna se passar para além do papel. Constituída de repetidas voltas barrocas, alfabetos arcaicos e um brilhante clima nublado, era a terra perfeita. Mas em todo o equilíbrio há algo natural e selvagem, a rota de escape da estabilidade. E por aí trilhou a natureza.

Um terremoto destruía um dos inúmeros templos dedicados à deusa suprema. Em cadeia, a natureza pareceu se ofender e casas foram varridas, prédios engolidos. Como faca atravessando a garganta, do avesso ao extremo tudo se inverteu. Carne a pele se inverteram, em fusões de contrastes de medonhas discrepâncias...

Metade congelou como se estivesse a trezentos graus abaixo de zero, e metade queimou a quinhentos graus célsius, deixando apenas a rigorosidade da areia e das cinzas. Uma lava de sentimentos escorria pelas canaletas do relevo em destruição.

Somente uns poucos rios contiveram, ainda que a custo, a pasta do inferno, sendo que esta última despeja em tais rios seus ingratos resíduos. Em meio a desordem, apenas uma garoa agia em emergência, mas sua ineficiência apenas alimentava o braseiro que queimará até o fim dos tempos.

E de tudo sobra apenas uma massa amorfa, e uns poucos sobreviventes darwinianos. E as flores que antes brotavam em tal solo jamais serão as mesmas. Cada ferida há de ser uma futura falha geológica em nossa mente.

sábado, 5 de maio de 2012

Uma extraordinária despedida

Esta poderia muito bem ser aquelas histórias de boteco para a qual nem Fortuna poria sua trança a leilão. Uma arte do acaso. Acaso que não parecia ser indicado pela atmosfera nublada daquele dia trinta de abril. O oposto de fazia sentir. Carregadas notas de piano enchiam cada viga da rodoviária.

Para entender o porque de tal clima, é preciso entender primeiramente que depositamos, cada um, três imprestáveis reais no caixa do ônibus. Uma atmosfera carregada nos esperava no bairro do Limão e fez com que tivéssemos certeza de que queimar essa cifra teria tido melhor utilidade.

Meu camarada tinha seu estômago nas costas e um pálido plano de raiva no rosto. Atravessei a tempestade como se fosse névoa, mas não sei se poderia dizer o mesmo dele. Deixava o Butantã com um arrependimento duas vezes maior que quando embarcamos no primeiro ônibus da jornada.

Após uma breve janta em escasso tempo, regada a notas tocadas por um pianista anônimo, assistido por uma ou duas almas, que por vezes se alternavam.

Lia-se Erechim. Era um ônibus novo e reluzente, revestido do mais uniforme insulfilm em seus vidros. Deixei-o a mercê de Vênus. Avistava na fila várias pessoas e tinha por certo de que de nenhuma eu me lembraria depois.

Sentado no banco de um carro Budd do metrô, iniciei um precário correio eletrônico entre este referido camarada e uma amiga de imensurável valor, de forma a repelir um pouco aquele preguiçoso final de tarde.

Dentre uma mensagem e outra, o camarada, André, para melhor nos referirmos, de alguma forma tentava invocar uma coragem para se aproximar de uma das passageiras, a qual havia visto na fila, mas que a essa altura do campeonato já parecia não ser mais uma simples passageira de nossa passageira vida.

De um diálogo simples, de pouco arrojo e extraordinária coragem, fizeram-se os dois um, na missão de preencher o vazio de uma viagem, que de poste a poste, madrugada adentro prometia ser a mais melancólica das relíquias da vida, um cadeado de latão trancafiando um baú de ouro.

Obra de divindade ou acaso do momento, sabe-se mal a explicação. Aconteceu e assim foi. Mas por aí não fica. A tempestade não acabaria, e às cinco horas da madrugada, tudo parecia não existir mais e o tempo ameaçava tornar passageiro qualquer sentimento empregado.

Mas o tempo não fez-se de ingrato, e frente a dois corações desconexos, recriou um laço que, não fosse a velocidade dos elétrons viajantes, estaria agora para sempre firme, porém encoberto.

E, ao final de tudo, delineou-se assim, esta história. Por certo, dirão que é mera ficção. Mas reitero que é ficção apenas fora de nossa dimensão espacial, observei cada passo dessa trajetória e deixo minha assinatura sobre cada fato relatado, para que todos tenham certeza de que praticamente nada é impossível, em um mundo tão envolto por elétrons e encoberto pelas nuvens do acaso.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Forte chuva

É um final de verão. Tempo fechado, chuva forte e constante de um dia cujo o sol haveria de se por mais cedo. Não pelo horizonte, mas por intermédio de belas, mas perigosas, nuvens. O arrastado voar das nuvens cumulus nimbus dava o veredicto de um penoso dia.

Mas era só um reflexo. Já tinha acontecido. Por motivos simples, e por incompreensão mútua, uma deusa tornaria o dia um penúria... E quem sabe tornasse tudo penúria, até o final desses tempos? Não inútil obra do acaso, o aspecto bucólico da chuva se contrapõe com o aspecto calmante.

Como nós, os céus também choram e, talvez, sejam os únicos que conosco chorem, nesses tempos. Mas há de vir, com o seco nublado do inverno, a calma e a paciência que nos falta no pegajoso e repugnante verão tropical.

Mas a ausência das lágrimas não significa resolução e a batalha é, de qualquer forma difícil. Não basta seca-las. E elas não hão de parar naturalmente, se é essa vida tão cheia de permeios e esse mundo tão diferente de nossos sonhos.

Vivemos em mundos diferentes, digo à Deusa. Nosso universos por algum acaso se colidiram e tudo o que veio com ele ameaça ser o maior dos deleites, mas no caminho, promete os mais terríveis espinhos.

Por vezes, tudo se encaixa, por outras, nada faz sentido. Pela camada subjetiva, se esvaem as mais gritantes nuanças. E tudo porque nossos universos são de materiais diferentes, de riquezas diferentes.

E a Deusa está sob uma pilha do mais rico e intangível material. Cada vez mais distante na mente tudo está. Um arauto não há de anunciar o final, tudo parece derreter da pior forma possível, como se fosse sonho. Mas que sonho mais real, que estranho!

Provavelmente tudo foi um sonho e talvez seja a hora de acordar para um novo amanhecer. Sem chuva, sem sol, sem paredes, sem telhados e sem sentimentos. Um outro universo, outra dimensão, outra vida.

Mas antes, o declínio. Matando-nos lentamente, transformando cada sonho em decepção e cada espectativa a respeito da vida, mero exagero, mera frescura. Pois nada é para sempre, e há de ser esse o eterno ciclo.

E depois de tanto pensar, a chuva pára. E o último raio de sol do dia ainda consegue dar-nos uma esperança de jamais acordarmos. Quem dera....

domingo, 8 de abril de 2012

Relicário

Aos sinais particulares, in memoriam.


Façamos de nossas almas relicários, pois não tarda o mal sob peles de bem. E nada nesta terra será tão impiedoso quanto as forças do bem. Que esteja em nosso relicário, todas as tradições que nos estragam, pois hão de assegurar que vivamos para sempre. Comprimidas e sem conflitos, serão planas as relações humanas.

Guardemos em nossos relicários, os livros, os mais belos projetos e as catedrais góticas, pois há se impor a perfeição incômoda das quatro paredes. Que seja o relicário nossa capsula do tempo, nossos documentos.

Serão cruéis os pequenos descuidos e questão de saúde pública a fumaça do cachimbo. Escrevam suas memórias, encadernem-nas. Ter opinião é ter visão. E ter visão não é ser feliz.

Será o soma a droga sob a qual dormem nossas mágoas. Sob a áurea da bondade global, reside a obrigação do bem. Todos tem direito de serem felizes e obrigação de fazerem felizes. Se não, há o cidadão de reservar a lápide! Enterre-nos; pois, com nossos relicários.

Optamos por morrer com a felicidade entorpecente e cega do que polirmos as mais perigosas idéias de nossos relicários. Mas há muito eles não existem. Porque as relíquias reais não são nada, sequer idéia metafísica, que muito além do túmulo irá. Mas o que será relíquia dentre tanto carbono e ferro?

A cada dia que passa, se ausenta a humanidade. Peças quadradas adentram o tabuleiro. A estabilidade se aproxima, e o debate será apenas uma atividade de fachada. Os cafés serão energéticos, se ainda permitidos. Todos sabem o que todos querem e a liberdade de despontar há de ser severo crime.

Afinal, “ser você mesmo” será mais um estereótipo vazio e não haverá termo de diálogo que indique a saída, Por isso, meus caros, se vocês ainda tem seus relicários, abracem-no. Pode significar mágoa, desgraça e tempestade. Vale a pena? Tudo vale a pena, se a alma não é pequena! Que viva o magnífico gênero humano!

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Noite

Originalmente escrito em primeiro de março

O cair da noite vem como suspiro, junto com o suspiro. Há um futuro incerto a frente e uma tortuosa estrada permeada por flores, mas protegida por serpentes de nossas mentes. O desespero das carícias e a intermitência dos sentimentos frente ao incerto traçado do futuro, e às bravias trincheiras que seguem nessa inexplicável estrada do espaço-tempo.

As amizades vem, se vão, tal como essa noite, que me trouxe este cenário. Ela irá embora. Independente da linearidade. O tempo e o espaço mudam suas conexões. Fazem com que cada segundo tenha sua influência no futuro, mas não imediatamente. E, em um piscar de olhos, pulo da física a metafísica.

Sob a abstração do que nos é invisível, fora da linearidade da estrada temporal, mal conseguimos imaginar o que não se cronometra. Sempre é um ciclo, uma roda. Por que a memória consegue fugir a regra? Ah, curiosa a memória. Jamais a acharam. A memória está conectada a essa noite, a esse estado.

Por vezes, penso que captamos e transformamos em sinais elétricos o que nos é, de certa forma, transcendente. E nesse plano, as ligações se cruzam, os destinos eventualmente se confundem e... Bem, aqui estamos.

Cenário vazio. Mundo sem ninguém. Caminho na deserta plataforma de concreto. Sul da cidade, Grajaú. Mapeio sem me preocupar com o tempo, cada lampejo de minha memória, sobre este mesmo cenário. Os abraços, as partidas... Tudo tão nítido ao se colocar na linearidade, mas tão vago em nossa mente.

Os destinos se confundiram. E não estou mais sozinho. Mas ao mesmo tempo estou. Sob a angústia das instituições, e do meu respeito para qual as tradições, caio na cama, corpo reto, sem chorar. Cada lágrima faço secar. Mas não há água com sal que apague o fogo, cruel e sentimentalista. Inconcebível, mas existente.

A amizade cresce. Como qualquer coisa exposta a linearidade temporal. Não se encerra nessa noite... Vem a tona a essa noite. Noite pensativa, de um dia pensativo, mas que no final fora feliz.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Marco das sete

A cidade não morreu, mas começa a se desmontar, perante aos olhos do sol dormente. E vemos, luzes por luzes, vermelhas por um lado, amarelas de outro, em avanço rápido para um trânsito de formigas. Seis milhões de conjuntos de luzes, como vagalumes estáticos e sem asas, varrem pedra a pedra.


Mas não precisa desmontar-se, a cidade... Ao alvorecer, tudo se repete, de sete às sete. Porque a cidade não para, apenas acerta seus ponteiros, para logo mais explodir em multidão. Pesadas portas de aço se erguem frente aos primeiros raios solares, para mais tarde caírem sobre o brilho inexistente da lua.

Fecha o tempo, cai a chuva. Imersos estamos, sob a urbanidade exacerbada, sem limites tracejados, que agora nos confere a poça sob nossos pés. Viajamos no limite das leis da física, perdemos nossas referências. O conforto grita contra os valores e nunca se sabe o quanto a mala realmente atrapalha. Seremos nós as malas, uns dos outros?

Nas latas de sardinha não há alças. Apenas canos, canos pelo qual entramos no resumo de cada dia, carpe diem! E desceremos ciclo abaixo em um espiral de objeções às nossas licenças literárias. E ainda teimam em nos levar por entre máquinas, arrastando-nos por nossos braços. Ora! Não me peguem pelo braço, eu já lhes disse que não quero que me peguem pelo braço!

Tudo é força, máquina, energia. Tudo brilha. Trenzinhos de pilha coreanos, caixas de som portáteis e seus DJs voluntários. E, como paralisados pelo sono, de olhos abertos, presenciamos os espíritos dissecarem as tripas de neurônios conhecidos, extraindo-lhes o potássio e destruindo suas energias. Sinapse de tétrico fim, como os nossos tétricos tempos.

domingo, 18 de março de 2012

Como último domingo...

... estende-se o longo último dia de um final de semana de reflexões que beiraram o que pode-se dizer desimportante, mas sem o qual a alma não vive. Sim, o que se colore de vermelho, e resiste ao tempo como maior força. Matuto sobre os passos, dou voltas na alma, e orbito em um espaço infinito de possibilidades. Crio universos paralelos, realidades distintas.

Tanto faz se ando em montanhas ou em plano... A indecisão recobre o terreno como intransponíveis dunas. Mas decido que será diferente. Dessa vez entrarei com a pá, e direto ao coração do tempo cavarei, para as pétalas da rosa, pequena rosa, beijar. Atrás de mim, todas as lamúrias do passado, e todos os medos... O medo é futuro, e agora vivo o presente, tal como se o amanhã fosse incerto demais para se contar como segurança arriscada.

O maior perigo é se viver um dia como os outros, sem amar porque não admite que ama. E que seja este o último domingo de sol. Ou o primeiro de uma melhor maré, de melhores ventos.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Declínio constante

Temos por mania humana, e jovem, talvez, ver em tudo um declínio. Fim de uma fase, começo de outra. E tudo voa. São tempos difíceis, em que até ratos parecem voar de avião. Pautados pelo lento avanço de ponteiros, nos separamos, nos encontramos e tal como chaleira de cristal, nada dura para sempre.

Nada dura para sempre... Então por que fazer com que tudo dure menos? Temos que ver nossas forças evadirem frente a uma amizade em declínio. Sente-se nas costas, no coração. Como custo de colocar pessoas a frente de ponteiros, sinto-me sozinho, entregue a divagações múltiplas.

Todos precisam estar deitados pelas nove horas. Todos precisam se locomover às seis. E todo o pouco tempo tenta ser aproveitado, mas parece ínfimo. Os abraços são tão leves, os carinhos tão inúteis. Mas todos se deixam cortar pelos afiados ponteiros.

Mas amigos e conhecimento é tudo que nos sobra. E de fato, são as únicas certezas vivas que carregamos conosco para a tumba. Porque a pontualidade do emprego ou o horário do ônibus, mesmo importantes, não valem um abraço verdadeiro.

De qualquer forma, tal pensamento soa como alto devaneio, de natureza idealista, desconexa da realidade. Por si só um declínio.

Montanha

Estou a meio caminho do topo, por entre densa mata de desconexos raciocínios e múltiplas lógicas. A meu ver, talvez a parte mais difícil e intransponível do caminho. Embora seja bom, de certa forma, que assim permaneça.

Não há problemas quanto a inclinação, nada que meus velhos tênis não enfrentariam. Muito pelo contrário. Até fazem sem pestanejar o caminho que, dia após dia, conduz-me ao ânimo de dar continuidade a toda uma série de responsabilidades as quais minha pessoa talvez não desse cabo, não fosse essa força extra.

Contudo, a alma clama por subir e não subir. Imagina-se feliz no topo, intuição selvagem e sem obstáculos. Entretanto, não quer gastas as solas subindo o que talvez possa matar logo que se começar a subir. Cruelmente dividida, a mente clama pelo plano sem barreiras.

E toda a força astral da paisagem e do clima, por certo, só atraem ao evidente infortúnio. Ruga dos seres pensantes que vêem mesmo em mais tenros pensamentos, instituições, o infortúnio é como velho companheiro. Volta para lembrar de que a felicidade é momentânea.

De novo entregue às reflexões, deixo que o tempo passe na montanha, na metade do caminho para o topo em uma estrada sem rumo. Portões imaginários são como produto de minha mente... Mas defensores do topo, não. E a selvagem força dos tigres me barrará cedo ao tarde. Antes paro, antes penso. E aqui fico, respirando do ar puro que posso, cada vez desejando mais tempo...

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Nuvens de fevereiro

Chove, chuvisca... Longe do opressor sol semanal tudo acontece. Porém, desta vez, tudo correu às avessas. Temo perder o poder metafórico, mas a mente não mente, se há em frente pedras em livre queda. E não qualquer queda, caem junto da mente, como por um fosso de tijolinhos vermelhos, sem fim...

As nuvens trazem consigo a tristeza do pensamento, mas desta vez, trouxeram consigo pedras que agora caem junto a mim, junto a alma e junto a mente. Poderia dar meu sangue sob o sol a pino, poderia me desfazer das minhas incertas verdades... Tudo como taxa de amizade, poderoso reino da amizade. Só lá há quem te puxe das trevas.

Mas tudo é tão diferente. Irmãos são parecem ser, cada vez mais, apenas os de sangue e a nossa confiança se esvai por canos de fim incerto. Entristeço-me de redigir isso. Sinto no coração o impacto de minha decisão por procurar a saída no meio da festa.

E de novo estou, sob as nuvens, pé na estrada... Nuvens de fevereiro, tão tenebrosas quanto o forte sol por vir.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Últimas horas

É final de uma noite, ante a uma madrugada, primeira dentre outros próximos meses. Derradeiro final de noite em que tudo se encerra, talvez de forma bucólica, talvez de forma vitoriosa. Parei de fazer meus apontamentos e pus-me a passar dias jogando e conversando com bons amigos. Experiência que, por vezes, é matéria de meus apontamentos.

Com todo esse tempo passado, ponho-me a escrever. Meia-noite e vinte e três, bate o relógio virtualizado, no canto da tela de minha máquina de escrever eletrônica. Quis ter certeza de que sequer uma impressão das últimas férias deixasse escapar das válvulas da memória.

Foi um tempo de bonança, de boa alma, de descanso e, também, um período de observação. Observar as relações entre as pessoas, e o que as determina. Tenho um número de coisas a escrever sobre caso e acaso. Mas isso não vem ao caso. Não no presente momento.

Sombras do futuro me vieram a mente. Memoráveis tempos projetaram silhuetas de um belo futuro. Mas é, talvez, apenas o risco de uma bonança... O risco de se acreditar que ela é permanente. Nada dura para sempre, se todos, um dia, morrem. Se virarmos estátuas, são apenas pedra de nossa carne e osso. Alma ausente. A bonança é apenas a trégua que o incerto tempo lhe dá para que repare as velas rasgadas.

sábado, 7 de janeiro de 2012

Nas paredes da memória

Pareciam apenas quadros, pinturas tépidas de um momento que fora visto em cores vivas, mas no momento, era apenas tinta óleo, reluzente sob a luz da tocha que parcamente ilumina as polidas, mas desgastadas, pedras do corredor.

Estantes, quadros, discos. Um colorido aconchegante sem a menor sombra de dúvidas. Mas nada está em movimento. Cada quadro, cada livro, é como se fosse um pedaço de passado congelado. E dentre tantas peças petrificadas pela frieza do gelo, navego por entre o que lembro de todo o passado.

Bem, dentre os primeiros fracassos de uma vida estão os livros da experiência própria. Páginas e páginas de documentos que não conseguimos mais ler, mas, entretanto, nos formaram. Parágrafos de relatos e declarações falhas. Redações super açucaradas, de fazer inveja aos românticos.

Mas tais erros para sempre estarão nas paredes da memória. Sem espaço delimitado, sem lixeiras, a biblioteca da alma. Acervo inesgotável de histórias que nos trazem a vida ou de contos que nos levam quase a morte.

Nada ensina tanto quanto a experiência própria, embora nada se compare com o conforto da experiência alheia. Porém, por vezes, mais vale o empirismo do que a teoria, especialmente em matéria de relacionamentos ou pretensos relacionamentos. Nunca se sabe como tudo acontece, até que se veja na necessidade de aprender, de uma vez por todas, as lições que só a prática pode ensinar.

Mas não só de decepções e lições é feita uma memória. Quadros de efusivas lembranças, abraços, papos ao ar livre, momentos. Sabe-se que duram pouco, mas ficam registrados sob a vontade de viver. E, assim, para sempre estarão, nas paredes da memória.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

"New Year Sunshine"

É ano novo. Ano que envelhece em trezentos e sessenta e cinco (ou seis, às vezes) dias, e é como folha para o interminável rascunho da vida. A cada dia traçamos os caminhos de nossas futura pegadas em cada centímetro da folha. Criamos laços que são como manchas em todas as folhas do bloco abaixo. Rasgamos um pedaço no meio, tentando prever um futuro, em vão. O tempo e o vento ameaçam levantar a folha, mas sob o peso de um grafite quase radioativo, não levantam. Quem pode saber o que nos espera no amanhã? E por que alguém haveria de saber? Ao se pensar em futuro, o discorrer do pensamento já virou passado em dois segundos.

O máximo a se fazer é riscar a próxima folha. Mas são só marcações. O futuro em branco é apenas trilho para o trem da imaginação, da inspiração e do pensamento humano. Ele não existe, é apenas uma estrada virtual. Quem poderia dizer que em todos esses anos, tais pessoas poderiam cravar suas manchas permanentes no bloco, no prontuário da vida?

Os dias, quadriculados no papel podem ser pintados de preto, ou não ter cor alguma. Não determinamos conscientemente, embora pertença a nós cada folha. Mas pode ter certeza que quando há luz for clara, ela há de remover todas as manchas dos dias em preto. A luz da amizade, do respeito, da humanidade, da civilização e de tudo que deixamos para trás nas cavernas.

E em nome da luz da amizade, saúdo-vos, amigos e colegas que deixaram suas anotações na extensa parede da memória.

Feliz ano novo.